Universidade para todos, mas nem tanto…

Por Arquivo

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Só que ao contrário

Nesse momento estou muito feliz por ter concluído o ensino médio em 2004 e já estar formado também na faculdade. Não é uma felicidade do tipo “estou realizado”, mas algo mais “ainda bem que eu não tenho que enfrentar esse inferno que está se tornando entrar em uma faculdade pública”.

O governo brasileiro iniciou um processo de “democratização do acesso ao ensino superior” no final de 2004. Bem no ano em que eu estava me formando no colégio. Naquela época, o ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio ainda era apenas uma prova de avaliação do seu aprendizado ao longo do ensino médio. Ao contrário do que o nome sugere inicialmente, esse “exame” continha questões totalmente objetivas, raciocínio lógico e conhecimentos gerais em sua grande maioria. Ou seja, não era separado por questões de português, matemática, geografia, história, química, física e biologia, tal qual uma prova tradicional de vestibular.

Para se ter ideia, algumas das questões da minha prova do ENEM eram “qual é o mosquito transmissor da Dengue” e “o quadro Retirantes, de Cândido Portinari se refere a qual período histórico brasileiro”? Sim, era chupetinha. Tirei 92 na prova objetiva e 98 na redação. Porém, essas notas ainda não valiam nada.

Em 2005 o Governo anunciou o Programa Universidade para Todos, ou ProUni. A partir desse momento o ENEM passou a ter uma função. Era através da nota obtida no Exame Nacional do Ensino Médio que os alunos de escolas públicas teriam a oportunidade de entrar em faculdades particulares com bolsas integrais ou parciais de estudo.

Esse foi o primeiro passo na “democratização do ensino superior”. Como eu tinha estudado a vida toda em escola pública e tirado uma nota sensacional no ENEM e, ainda por cima, não ser de classe “alta”, consegui uma bolsa parcial pelo ProUni. Mesmo já tendo passado no vestibular da faculdade em questão. Ótimo!

A partir daí, o exame foi totalmente reformulado. Tornou-se mais difícil, já que agora era uma porta de entrada para as faculdades privadas. Foi uma boa iniciativa do Governo. Ainda não estavam pipocando faculdades particulares a todo o momento, então, ajudava a galera a cursar boas instituições que já eram bem reconhecidas no mercado.

Pessoas que não teriam condições de pagar uma PUC, por exemplo, agora tinham a chance de ganhar meia-bolsa ou bolsa integral. Digamos que é mais “tranquilo” pagar R$ 350 em um curso do que os tradicionais R$ 700,00 (na época). Ter um curso superior ainda não era algo tão normal em 2004/2005. Poucas pessoas tinham e geralmente pertenciam às classes sociais mais altas.

Graças a esse projeto, Lula praticamente garantiu a sua reeleição.

Em 2009, o Governo dá mais um passo nesse audacioso projeto e o ENEM passa a valer também como porta de entrada para as universidades Federais através do SiSU (Sistema de Seleção Unificada). É nesse momento que as coisas começam a ficar um pouco mais complicadas.

A prova que antes era tranquila se tornou uma maratona com 180 questões de todas as matérias divididas em dois dias intensos de prova. Os cursinhos que antes eram “pré-vestibulares”, agora são Pré-ENEM. O que, na minha opinião, desvirtuou bastante a função de um exame que avalia o ensino médio. Quem antes estudava para passar em uma boa faculdade, agora estuda para tirar uma boa nota no ENEM.

Se o aluno já tinha uma carga absurda sobre as costas com a preocupação de passar de ano, agora era ainda maior com o tão temido exame.

Estuda, negada…

Some a isso outras questões que foram levantadas como as controversas cotas para negros e índios nas faculdades federais. Não vou me alongar nesse assunto e muito menos discorrer sobre ser contra ou a favor dessas cotas. O ponto não é esse.

Enfim, chegamos em 2012 e o ponto principal desse meu texto.

Nesse processo todo de democratização do ensino superior, o Governo acabou favorecendo demais algumas situações e prejudicando bastante gente.

Hoje em dia você tem:

– Cotas para pessoas de baixa renda (e essas cotas são divididas de acordo com a renda familiar, tendo várias categorias)
– Cotas para estudantes do ensino público
– Cotas para negros
– Cotas para índios
– Bolsas de estudo em faculdades privadas para pessoas de baixa renda

Pode me chamar de elitista ou de preconceituoso, que é o que mais acontece quando se toca nesse assunto, mas os jovens que são de classe média e estudaram a vida toda em escolas particulares, muitas vezes com pais se sacrificando pra pagar a mensalidade, acabaram ficando prejudicados.

Você estuda o ano todo e se prepara para o ENEM. Apesar dos estudos, não é todo mundo que faz uma prova brilhante. Não é todo mundo que tem um QI acima da média e, muitas vezes, só estudar não conta.

Você tira uma nota que não é suficiente para te fazer entrar direto no curso e na faculdade que você escolheu. Isso porque o número de vagas para pessoas na sua “condição” diminuiu drasticamente.

Em um curso com 50 vagas, faça as suas contas tirando aquelas destinadas para as cotas de negros, índios, estudantes de baixa renda e estudantes de escola pública. Sim, esse resultado é o número de vagas que você terá que disputar com as outras milhares de pessoas na mesma situação que você, em um país onde a classe média é a maior representante.

Mas você desanima totalmente, pois em alguns dias ainda terá a abertura do SiSU. Infelizmente, com todas as vagas anteriormente preenchidas, as notas de corte para os cursos sobem consideravelmente. Se a nota para passar em medicina já era normalmente alta, no SiSU ela estará ainda mais alta.

Nesse momento você esquece as faculdades públicas e tem que se voltar para as particulares. Porém, lá em cima eu falei que o ProUni oferece bolsas parciais e integrais para alunos que estudaram o ensino médio em escolas públicas e possuem renda familiar mais baixa. Ou seja, você que é um aluno de escola particular e de classe média mais uma vez não pode ser beneficiado por nenhum dos programas do Governo. Nesse caso, as suas duas alternativas são: estudar mais um ano da sua vida pra passar em uma federal ou cursar uma particular que custa bem caro.

O Governo ainda é bonzinho e te dá mais uma opção: o FIES – Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior. Na verdade, o FIES já é bem antigo, da época do regime militar (Crédito Educativo). Só foi reformulado e ganhou um novo nome.

Como o próprio nome diz, é um financiamento que pode ser total ou parcialmente utilizado na sua graduação. Você faz a sua faculdade, se forma e 1 ano e meio depois começa a pagar o financiamento que é dividido de forma análoga à duração do seu curso (se cursou 4 anos, tem 4 anos para pagar) com uma taxa de juros de 6.5% ao ano.

Ou seja, se você é de classe média, estudou o ano todo e não conseguiu passar em uma federal, não se encaixa nas exigências para conseguir o ProUni, não é negro e nem índio, a única ajuda que o Governo te dá para cursar uma faculdade é um financiamento que ao final terá um valor total maior do que aquele do seu curso. Muito justo.

No meu ponto de vista, não é bem a ideia de “Educação para Todos” que tanto se prega por aí.

Infelizmente, em um país como o nosso onde existe muita desigualdade social, as iniciativas para tentar diminuir e ajudar os menos favorecidos acabam ajudando demais e em algum momento vão passar a desfavorecer completamente aqueles que tem alguma condição.

Hoje em dia, se você está se formando no colégio, eu só posso dar um conselho: estude, mas estude muito e como se não houvesse amanhã caso você queira entrar em uma boa faculdade, seja ela pública ou privada.

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6 Responses to " Universidade para todos, mas nem tanto… "

  1. Fernando Henrique barbosa disse:

    Esse novo enem é uma maracutáia, e uma mafia que controla todo o sistema, da a nota de redação baixas, e não nos mostram as correções, era prometido mostrar. Enquanto isso só passa no enem as pessoas de familia com tradição, as univercidaes deveriam voltar aos antigos vestibulares, pois eram menos concorridos e não tinha fraude ,queroqoe alguem aponte uma fraude em algum vestibular?e agora quero que alguem aponte uma fraude no enem Senhor mercadante , o proprio enem fugiu do tema da redaçao era pra ser tema social . E o enem de abril vai ter nehuma informação estudar dia e noite e faciu ser rico ou milionario e dificiu que país é esse?

  2. diana disse:

    o pessoal da classe média vai começar a estudar fora. aliás já começaram. fora do país, eu digo.

    ou mais universidades particulares devam surgir…

  3. A questão de cotas e de outras medidas afirmativas passa por uma discussão extremamente complicada sobre o conceito de igualdade. Mesmo eu, que comecei a estudar em 2012 essas questões nos Direitos Humanos, tenho milhares de dúvidas.

    Mas fica claro que para favorecer um grupo, você tem que dificultar a vida de outro. Para favorecer negros, índios e integrantes de classes mais baixas você tem que deixar a situação dominante mais difícil. Nada mais óbvio.

    Partindo desse ponto, pare pra pensar na realidade de ambos os lados. Começando por um estudante de escola particular. Eu vivi essa realidade e posso falar com alguma propriedade. Inicialmente há clara superioridade de condições na classe média e nas classes altas. Outro ponto indiscutível.

    Com dinheiro você consegue comprar melhores materiais, pagar melhores escolas. Logo, se você valoriza um pouco que seja esse investimento feito em você, não tem como ir mal. É necessário algum esforço, mas é quase certo que você tem condições de passar no vestibular. Mesmo antes das cotas, não existia vaga pra todo mundo. Muitos cursos como medicina ou as engenharias são extremamente concorridos, então existe a chance de não passar também. Só que aí a constante do dinheiro se mantém. Quem não passa tem dinheiro para bancar um cursinho de alto nível, que foca somente nas provas de vestibular e no ENEM.

    A rede pública é um cenário completamente diferente. A maioria dos alunos são de baixa renda, são negros e apenas alguns são índios (mesmo aqui é difícil encontrar). Somado à falta de dinheiro existe a porca qualidade de ensino. Nem se compara com uma escola particular. Aqui podem questionar: “ah, mas quem se esforça consegue, vai atrás”. Balela. Não existe uma mentalidade nesse sentido dentro da escola pública. Não há motivação no ensino pra isso. Prova disso é que poucos alunos oriundos de escolas públicas chegam ao ensino superior público. Além disso, muitos alunos da rede pública estão sujeitos a ter outros focos e prioridades. Enquanto o aluno da escola particular, de modo geral, não tem outra obrigação a não ser estudar, o estudante de escola pública tem que ajudar em outras obrigações sociais e econômicas de sua vida particular e familiar, como trabalhar, por exemplo.

    Eu estudei praticamente a vida inteira em escola particular, mais de 10 anos. Cheguei no terceiro ano com totais condições de encarar as provas sem fazer muito esforço. Nunca fui um aluno aplicado nem nada. Só o fato de ter acesso a uma educação melhor já fez muita diferença no meu desempenho. Passei direto e faço jornalismo numa faculdade pública, a Unesp. E é impressionante ver como o negro, o índio e pessoas de classe baixa praticamente não existem no ambiente universitário. A sensação é que eu ainda estou numa escola particular em que todos tem dinheiro. Eu sou negro e além de mim, assim como era na escola, existem mais três pessoas negras em um universo de 58 alunos. Existem salas que muitas vezes não há nenhum negro ou índio.

    Nessas horas apela-se muito para a meritocracia, mas não há como usá-la quando não há uma igualdade de condições entre todas as partes. Implementar cotas é uma ação afirmativa, ou seja, é temporária e visa reparar desigualdades sistemáticas e históricas em curto e médio prazo. Paralela à elas deve-se fazer investimentos estruturais, como por exemplo, investir seriamente em educação básica. É obvio que vai ficar mais difícil para a classe média entrar na universidade pública. Mas essa dificuldade não pode e não deve ser comparada o sofrimento de uma classe que vive um dos problemas mais importantes do nosso país: a desigualdade social.

    É uma discussão muito complexa que, infelizmente, fica a mercê de discussões rasas, achismos e preconceitos. A mídia nada faz para explorar de forma séria a raiz desse e de outros problemas. Infelizmente. :/

  4. Gabriel disse:

    O FIES foi reformulado, o juros anual é de 3% e você tem o 1,5x o tempo do seu curso pra efetuar o pagamento (ex: um curso de 4 anos pode ser pago em 6) e você ainda tem 1 ano após o termino da graduação para começar a pagar.
    uma facilidade imensa gerada pelo SISU é a quantidade de faculdades que ele abarca com apenas o pagamento de uma inscriçãp. Quando fui tentar entrar em uma faculdade, gastei minhas reservas e metade da minha alma tendo que pagar 100 reais pra cada vestibular que eu iria prestar. Sem contar o que da pra economizar de tempo e dinheiro quando se faz apenas uma prova. Essa é uma facilidade que abarcou tanto a classe media, alta, pobre; enfim, qualquer ser que se interessasse em ingressar no ensino superior.
    Realmente as cotas são um assunto que deveriam ser discutidos mais a fundo. Na minha opinião, as cotas para alunos de escola publica deveriam ser as únicas existentes. Eu já vi negro de classe alta na minha cidade passar em faculdade por cota racial. Foi justo? não sei.

  5. rafabarbosa disse:

    Olá, Rodrigo! Em primeiro lugar, valeu pelo comentário e pela participação.

    Eu não disse que é uma injustiça, mas digo que está dificultando cada vez mais pra turma que vem do ensino particular (e olha que eu estudei a vida toda em escola pública e ainda fui bolsista do ProUni). Na própria matéria que você mandou explica apesar de estarem na mesma porcentagem das cotas, há diferença para índios, negros e pardos e alunos com renda familiar baixa, que foi o argumento que eu usei no texto.

    O caso da nota de corte, aí já é uma questão de ver como foi feito o cálculo. Se não me engano, acho que no ano passado (2011, na verdade, né), rolaram muitas dúvidas em relação à formula que a UFMG utilizava para calcular a nota de corte, justamente por ter a questão do bônus que ela dava aos alunos de escola pública (citados no link que você deixou). Não achei nenhuma informação sobre o cálculo da nota de corte desse ano, então, a princípio, acredito que tenha rolado algo do tipo e, se estiver errado, por favor, pode deixar um link e um comentário por aqui a hora que quiser =)

    Mais uma vez, valeu pelo comentário!

  6. Rodrigo Araujo disse:

    Interessante sua argumentação, mas chamo a atenção para dois pontos:

    1º – A reserva é de 50% das vagas para escolas públicas, e nesse bolo estão os negros e indios. Olhando por outro paradigma, e considerando a realidade social do nosso país, a maior parte da população (estudantes de escolas públicas) tem que disputar metade das vagas, enquanto uma menor parte, de escolas particulares, fica com os outros cinquenta. Menos pessoas para um mesmo números de vaga significa menor concorrência, certo?

    Link da Lei de Cotas: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12711.htm

    2º – O último vestibular da UFMG, que já adotou a nova lei, revelou que os alunos cotistas tiveram notas de corte na primeira etapa maiores que os egressos de escolas particulares. Ou seja, os alunos de escolas particulares, além de proporcionalmente terem uma concorrência menor, precisam de nota inferior no ENEM para chegar à segunda etapa do vestibular.

    Link da notícia: http://educacao.uol.com.br/noticias/2013/01/07/notas-de-corte-de-aluno-cotista-foi-superior-em-588-dos-cursos-da-ufmg.htm

    De que lado mesmo está a injustiça?

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