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A masmorra da preguiça

voltar a escrever

Nos últimos meses tenho brigado constantemente com a preguiça e a inércia.

Enquanto elas desejam desesperadamente continuar a não fazer nada, uma boa parte da minha consciência deseja voltar a escrever diariamente, como fazia há alguns anos.

Não foram poucas as vezes em que me sentei em frente ao computador (como agora), abri o Word ou o Google Documents (como agora) e comecei a digitar um texto (como agora).

Já comecei de contos e livros a dissertações sobre a vida, o universo e tudo o mais. Tudo vai correndo bem (como agora) até que a preguiça chega arrombando a porta e me dando vários tapas na cara. Nesse momento, a inércia que embalava os meus momentos de não fazer absolutamente nada se aproveita da situação e assume os controles do meu cérebro.

Você já tentou lutar contra a preguiça? É uma batalha praticamente perdida. Você já começa a briga deitado, de preferência dormindo.

preguiça

me deixa preso aqui

Sinto que não sou mais tão forte a ponto de combatê-la de igual para igual. Estou ficando velho. Os músculos já não respondem aos estímulos com a mesma rapidez de antigamente.

Por sorte ainda exercito o cérebro com mais frequência do que os demais músculos e órgãos do meu corpo. Mas sinto que a minha criatividade e a minha disposição para escrever vão definhando pouco a pouco.

Estou tentando retomar o controle. Esse texto é um exemplo. Se fosse em um dos vários momentos de fraqueza, dificilmente teria chegado até aqui. Já teria parado de escrever há uns três ou quatro parágrafos acima.

Chegar ao final desse texto será uma vitória.

Voltar a escrever é como tentar abandonar o alcoolismo ou as drogas: um dia de cada vez. Nesse caso, uma letra de cada vez. Uma linha de cada vez. Um parágrafo de cada vez.

Quero muito voltar a escrever como antigamente, com frequência e criatividade. Se conseguir com frequência já ficarei feliz. A criatividade volta com tempo e prática.

É difícil abandonar alguns hábitos como ficar atoa na frente do computador assistindo porcarias. Meu cérebro se acostumou a agir passivamente apenas recebendo conteúdo. Ele perdeu o tesão em produzir algo fora do ambiente de trabalho.

Essa é outra questão que imagino influenciar bastante. Passo tanto tempo produzindo conteúdo para outras pessoas que simplesmente perdi a vontade de produzir para mim mesmo.

É o paradoxo de trabalhar com o que você gosta. Quando se torna obrigação, deixa de ser divertido. Há muito tempo não me divirto escrevendo e isso é algo inaceitável.

Mas não vou desistir. Consegui chegar até essa linha e segundo o contador do Word, já se vão 420 palavras. É um bom recomeço.

Aproveitei que a preguiça e inércia deram uma saída e escrevi esse texto rapidinho.

Mas vou me despedindo por aqui. Sinto que elas já estão voltando e não quero me encrencar.

É melhor não chamar a atenção. Assim elas não percebem o que estou fazendo. Melhor ser discreto. Um texto aqui e outro ali, despretensioso. Quando elas finalmente se derem conta, pretendo estar escrevendo todos os dias como nos velhos tempos.

Se você aceita um conselho, não seja como eu. Não se entregue. Exercite o cérebro todos os dias e não deixe que ele fique preso na masmorra da preguiça. Lá, ao contrário de outras prisões, é quentinho, aconchegante e te dá vontade de nunca mais sair. E esse é o problema.

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O nerdão do cinema

Dia desses fui ao cinema (com a namoradinha) assistir “Um Senhor Estagiário”. O filme é bem divertido e emocionante, porém a minha experiência poderia ter sido muito melhor se eu não estivesse sentado à frente de um tipinho irritante de pessoa: “o nerdão que precisa mostrar que é nerdão do cinema”.

Pessoas que conversam durante o filme já são insuportáveis. Mas aqueles que sentem uma necessidade quase patológica de mostrar aos demais que conhece todos os atores, que já viu todos os trailers e que é um exímio conhecedor da franquia De Volta para o Futuro merecem um DeLorean que os leve de volta aos tempos da Inquisição Espanhola com direito a um passeio completo pelas salas de tortura.

O cara não calou a boca um minuto sequer durante o filme.

A tortura começou ainda nos comerciais. A rede de cinemas em questão fará uma maratona com todos os filmes da série De Volta Para o Futuro. Quando apareceu a primeira propaganda, o nosso personagem principal dessa história provavelmente teve uma ereção, dado o nível de empolgação.

ALÁ DE VOLTA PARA O FUTURO! OLHA O DOC! OLHA O MARTY! OLHA O EINSTEIN QUE BONITINHO!!!!!

Em seguida, o comercial fez um pequeno quiz com algumas perguntas relacionadas ao universo do filme. Como bom nerdão do cinema, o nosso amiguinho respondeu a todas as perguntas corretamente.

Até ai tudo bem. O problema é que ele respondia gritando, o que causou constrangimento até em sua própria namorada que dizia “fale baixo” ao que ele respondia: “AS PESSOAS PRECISAM CONHECER DE VOLTA PARA O FUTURO”.

Quem sou eu para saber o que as pessoas conhecem ou não, mas dada a faixa etária da sala de cinema, naquele momento, imagino que TODO mundo ali conhecia o filme.

Nesse momento, já um pouco incomodado, quase virei pra trás e derramei ~acidentalmente~ o meu copo de 1 litro de Coca Cola na cara do sujeito.

Continua a programação com um trailer do novo filme do Peter Pan.

Nesse momento o nosso nerdão do cinema mostrou que não é tão nerdão assim, já que disse pra todo mundo ouvir “O HUGH JACKMAN É O NOVO CAPITÃO GANCHO VIU GENTE. FICOU DEMAIS NÉ GENTE”?

Não, o Hugh Jackman não é o novo Capitão Gancho, seu otário. Ele é o Barba Negra e a história vai mostrar como o Ganho (Hook) se tornou o capitão. Nesse momento ele é só o cara que ajuda o Peter Pan.

Toma essa!
Mas nosso amigo nerdão do cinema estava inspirado. Provavelmente ingeriu altas doses de cafeína ou açúcar e seu metabolismo estava acelerado, já que no trailer de um filme brasileiro com 50 atores globais, ele fez questão de gritar o nome de cada um deles, como se ninguém ali soubesse quem era aquelas pessoas.

Nesse momento eu quase virei pra trás e perguntei se meu ingresso contemplava a “narração em tempo real do que estou vendo na tela”, mas como sou uma pessoa que prefere se preservar à chamar a atenção, continuei calado e apenas imaginando algumas formas de enfiar um par de meias em sua boca.

As luzes finalmente se apagaram. O filme estava começando e renovei as minhas esperanças de que essa pessoa ficaria calada.

Mais uma vez fui enganado pela expectativa que crio em cima do comportamento de outro ser humano.

Ele gritava o nome de cada ator que aparecia em cena:

OLHA O ROBERT DE NIRO, CARA!

ALÁ A ANNE HATHAWAY!

RENEE RUSSSSOOOOOO!

Cara, cala a boca pelo amor de deus!

Depois de um tempo ele reduziu o ritmo e ficou apenas nos comentários pontuais do filme, tentando “prever” o que aconteceria em seguida. Uma pena que ele não previu o quanto estava sendo inconveniente e atrapalhando a diversão alheia.

Por isso, amiguinhos, deixo aqui o meu conselho: calem a porra da boca quando estiverem no cinema. Ninguém tá pagando pra ouvir os seus comentários inúteis.

Um grande abraço a todos.

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Voltei a jogar futebol

Depois de um longo e tenebroso inverno, onde minhas chuteiras descansavam penduradas e inconsoláveis no armário, voltei a jogar futebol.

Já havia algum tempo que cogitava retorno ao esporte bretão, mas precisava de um bom incentivo: amigos que estivessem jogando regularmente.

Vi que o pessoal da época de colégio se reunia todas as terças para uma pelada marota e descompromissada. Resolvi me convidar.

Sem a necessidade da tradicional peneira e confiantes no futebol que eu apresentava no auge do ensino médio, os amigos não hesitaram em me aceitar.

A minha aposentadoria dos gramados chegava ao fim.

O problema é que estou tão fora de forma quanto Ronaldo Fenômeno em seus primeiros jogos pelo Corinthians. No primeiro dia, inclusive, fiquei com medo de ser confundido com a protagonista desse esporte dado o meu formato esférico e as cores da minha chuteira.

Eu poderia ser facilmente confundido com a Jabulani.

Para a alegria e decepção dos amantes do bom futebol, retornei aos gramados. Alegria porque eu dou show. Decepção porque o show está comprometido enquanto estou fora de forma.

Retornei aos gramados sem uma boa pré-temporada. Não consegui correr por mais de 15 minutos no primeiro dia, mas ainda foi possível ver pequenos lampejos da minha genialidade com alguns dribles desconcertantes que logo em seguida foram consertados, já que eu não aguentava correr para completar a jogada.

Ciente de que o meu futuro em campo dependeria de conseguir sobreviver aos 90 minutos de jogo (são várias partidas de 7 minutos que mais parecem 2 horas devido à teoria da relatividade e por estar tão gordo a ponto de possuir um campo gravitacional próprio), acabei retornando para a minha posição de origem.

Pois é. Voltei a ser goleiro.

Foi uma escolha acertada, pois apesar de estar pesado, venho conseguindo recuperar aos poucos a minha elasticidade e as acrobacias que me tornaram uma lenda no bairro onde morei.

Tem sido uma boa experiência voltar a jogar futebol. É uma atividade necessária para que eu consiga retirar a minha carteirinha de membro oficial da ATBC – Associação Brasileira dos Tiozões do Churrasco.

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Romero Britto e as Chuteiras

Voltei a jogar futebol.

Como estava parado há muito tempo, era necessário comprar uma chuteira. Um artista precisa das ferramentas certas aliadas ao seu talento para brindar o público com suas obras de arte.

Parti em busca daquela que seria a responsável por calçar os meus pés nesse retorno triunfal. Só que eu não estava preparado para o que viria a seguir.

Depois do fatídico 7×1 para a Alemanha, o brasileiro está decepcionado com o escrete canarinho. Nos falta aquela gana de vencer, disputar cada bola como se fosse o último lance. Nos falta aquele beque com cara de poucos amigos, muita força e pouca técnica. Também perdemos aquele volante cabeça de área, caneleiro, raçudo. Que não tem medo de dar um carrinho criminoso visando proteger o gol brasileiro.

Falta raça e sobra estilo e fanfarronice. E acredito que a grande responsável por essa derrocada em nosso futebol seja a fashionização dos materiais esportivos.

A chuteira, que deveria ser uma ferramenta de trabalho, hoje em dia é um acessório de moda. Temos douradas, amarelas, vermelho carmim, rosa choque, verde cintilante do fundo do mar, azul turquesa e infinitas combinações de cores.

Mosaico de cores

Mosaico de cores

A prateleira de chuteiras parecia um quadro do Romero Britto. Aliás, até arrisco a dizer que deve existir uma chuteira da Nike Special Edition Romero Britto.

No meu tempo a regra era clara: chuteira somente no estilo clássico: preta com um ou outro detalhe em branco. Havia a exceção com as chuteiras da Diadora, mas nessa época se resumiam a apenas duas cores: verde e roxa.

Com essa variação de chuteiras equivalente a variação de cores de esmaltes, as chuteiras pretas, verdadeiras raridades, acabaram tendo os seus preços elevados. Só me restava escolher uma dessas chuteiras saídas diretamente dos livros de colorir.

Acabei me rendendo e comprei uma chuteira com tons de rosa, mas não muito chamativa. Afinal, independente das cores, o artista precisava entrar em campo. Não seria a cor da chuteira que me impediria de dar alegria a esse povo tão sofrido, não é mesmo?

Meu instrumento de trabalho

Meu instrumento de trabalho

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Tiozão do churrasco

Esse final de semana estava em um churrasco com amigos e tive aquela constatação – epifania, melhor dizendo – que cedo ou tarde chega pra todo mundo: me tornei o tiozão da turma.

Durante boa parte do dia as caixas de som nos presentearam com os Greatest Hits do atual imperador da música brasileira: Wesley Safadão. Entre 1% do amor que te dei e ser sem vergonha e ciumento mesmo, presenciei uma playlist repleta de singles dos famigerados sertanejo universitário, arrocha e funk ostentação.

Eu não conhecia nenhuma das músicas.

Sou um cara bem tranquilo em relação ao tipo de som de festas. Não faço nenhuma ressalva e se precisar e o ambiente estiver propício, posso até dançar com a turma. Mas não espere que eu procure por essas músicas quando estiver em casa. Isso não vai acontecer.

Algumas horas depois alguém segeriu buscar o violão do aniversariante.

Foi com aquela gostosa nostalgia que lembrei da minha época de jovem. Alguém sempre aparecia com um violão no meio da roda e começava os primeiros acordes de Pais e Filhos ou Come as you are.

Senti que pela primeira vez no dia eu reconheceria as músicas tocadas.

Comentei isso com os meus amigos que me olharam de forma muito estranha. Pais e filhos? Come as you are?

Alguns segundos depois, os primeiros acordes que surgiram até que não me eram estranhos. É uma música que tenho escutado bastante graças à namorada que é fã de sertanejo universitário (apesar de pagar de rockeira indie na internet): Suite 14.

Meus amigos apenas confirmaram a minha epifania: hoje as pessoas só escutam e conhecem sertanejo universitário. É a música do jovem sexualmente ativo e socialmente aceito.

Chateado com a constatação, peguei minhas agulhas e voltei para o ponto e cruz e minhas peças de crochê.

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