Rafael – o campeão mundial de pique esconde

Por Arquivo

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shiu!

Não me lembro muito bem quando essa história aconteceu. Eu não devia ter mais de 12 anos, então provavelmente foi entre 1996 e 1998. Era o auge da minha infância, aquele momento de transição entre as brincadeiras infantis e o início da adolescência. Naquela época, a brincadeira mais popular entre a turma era o pique esconde.

O motivo era um só: se esconder com as gatinhas do prédio e descolar uns beijos. Quem sabe até algo mais, como uma mão na cintura. Sonhávamos com outras coisas, mas, pelo menos no meu caso, faltava iniciativa (só tinha 12 anos, dá um desconto).

Certo dia, praticamente todos os garotos e garotas do prédio e mais alguns do condomínio (era um conjunto de oito prédios), estavam participando da brincadeira. Restringíamos a área de esconderijo aos arredores do nosso prédio pra evitar problemas com os pais (a rua ainda era um lugar perigoso, já que se tratava de crianças criadas em apartamento).

A brincadeira começou de tarde, por volta de umas 15h. Alguém perdeu na adedanha, então teria que começar contando e procurando pelo resto da galera. Confesso que aquele dia estava um pouco cansado, mas não dispensava esse tipo de brincadeira com o pessoal.

Quando o escolhido começou a contar, todas as crianças foram para os esconderijos mais famosos da área.

Pensei em me esconder debaixo da escada: ocupado Era o primeiro lugar que os possíveis casais da brincadeira procuravam para ter um pouco de privacidade. Corri para o quartinho de materiais de limpeza: ocupado (era o segundo lugar mais procurado pelos casais). Dei mais um pique e fui atrás do prédio: fácil demais e um péssimo esconderijo.

Pensei por alguns segundos e resolvi subir para o último andar e, colocando à prova as minhas capacidades de escalada e parkour, resolvi subir na caixa da mangueira de incêndio e levantar a tampa que dava acesso ao topo do prédio (área da caixa d’água). Era um lugar escuro e mal cabia uma pessoa. Na época eu ainda era baixinho, então foi perfeito.

Entrei, fechei a “escotilha” e esperei.

Como eu disse, naquele dia estava cansado. Aquele vão escuro, uma posição confortável e um silêncio completo. Em questão de minutos peguei no sono.

A propósito, eu tenho uma facilidade enorme para dormir em qualquer lugar. Ônibus, cadeira de escola/faculdade, sofá, colo das gatas, no banco do passageiro e no banco de trás de um carro e até mesmo no chão quando em avançado estado etílico. Se me sentir confortável, com certeza irei dormir.

Voltando ao esconde-esconde.

Dormi.

Acordei um pouco assustado. Não fazia ideia de quanto tempo havia passado desde que eu entrara naquele aconchegante esconderijo. Na minha cabeça, eu tinha apenas cochilado. Então, abri a portinha devagar e desci sem fazer o menor barulho. Desci os degraus pé por pé, calculando cada passo para não fazer nenhum ruído que despertasse a atenção da pessoa que estava procurando.

Cheguei ao primeiro andar tão sorrateiro quanto Solid Snake em uma missão de Metal Gear Solid. Quando sai pela portaria, corri como se não houvesse amanhã, bati na pilastra que era o “marco” e gritei a plenos pulmões:

– UM DOIS TRÊS TÔ SALVO!

A adrenalina de ter me salvado era tanta que só alguns segundos depois fui me dar conta. Já havia anoitecido. Eu dormi mais que imaginei e os meninos devem ter pensado que desisti da brincadeira. Todo mundo já tinha ido embora pra casa e estavam provavelmente jogando vídeo-game ou o pior, dormindo.

De repente me dei conta de que poderia ser bem mais tarde do que eu pensava e estaria encrencado se meus pais estivessem me procurando.

Da emoção de ter me salvado da brincadeira ao cagaço de levar uma surra e ser colocado de castigo, foi um pulo.

Subi cada degrau ensaiando as mais variadas desculpas e a minha melhor cara de “eu sou inocente de todas as acusações que vocês estão fazendo”. Mentalmente, já escutava o sermão do meu pai, da minha mãe e da minha avó.

Abri a porta de casa com os olhos fechados e para a minha sorte, escutei a vinheta da novela das sete.

Alívio. Estava a salvo pelo menos do esporro.

Só nesse momento que me dei conta de que dormi pelo menos umas 4 horas naquele esconderijo. Na época eu não saberia essa expressão, mas arrisco dizer que hoje em dia, relembrando dessa história, eu tive um breve momento de narcolepsia.

Felizmente, posso dizer que saí vitorioso do pique esconde daquele dia. Não me encontraram por pelo menos umas dez rodadas. Oficialmente, não me deram o título de campeão do esconde-esconde, mas eu sei que esse recorde permanece intacto até hoje no condomínio Heliópolis. Tentaram me apelidar de Annie Frank, mas não rolou.

Ela foi encontrada. Eu não. Risos.

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