Muito antes da invasão do Instituto Royal (episódio que ficou conhecido como “O Resgate dos Beagles”), eu – Rafael Barbosa – já era um aguerrido ativista dos direitos dos animais (ou quase isso).
Essa é a história sobre o dia em que a Carrocinha me capturou.
Não me lembro de quando exatamente isso aconteceu, mas eu devia estar com os meus 12 ou 13 anos, por aí. Era final dos anos 90 e nessa época eu ainda não havia sido escravizado pela internet. Ou seja, brincava como qualquer criança normal: na rua e não no universo de Minecraft.
Como eu morava em um condomínio de apartamentos, era proibido ter cachorros. Além de a minha mãe ter pavor desses inofensivos mamíferos, não podíamos criá-los em nossos lares. Dessa forma, adotávamos todo e qualquer cãozinho que aparecesse pelas ruas do bairro, criando um carinho enorme.
Foi assim com o “Tilzinho”.
Nota do editor: Todo e qualquer cachorro, quando desconhecido, é chamado por nós mineiros de “tilzinho”, com L mesmo. A pronúncia da palavra é “tiozinho”, mas não tem nada a ver com o irmão do seu pai/mãe ou aquele senhor mais velho a qual você não conhece.
Tilzinho era um vira-lata que circulava pelas ruas do bairro e sempre parava em nosso prédio. Acho que pelo fato de ninguém tentar espantá-lo e sempre ter alguém pra brincar, ele acabou criando um “ponto de apoio” por ali. E contrariando todas as recomendações dos adultos (nossos pais), sempre colocávamos comida e água pra ele.
Porém, ele continuava sendo um vira-lata, já que ninguém poderia adotá-lo de verdade enquanto morasse no prédio. Ou seja, não podíamos colocar coleira nele nem nos responsabilizarmos oficialmente.
Pensando nisso, algum filho da puta incomodado com a situação resolveu chamar a “Carrocinha”.
Até aquele dia, a “Carrocinha” era apenas uma entidade mística que vez ou outra circulava pelo bairro recolhendo os cachorros sem dono e levando-os para uma misteriosa fábrica de sabão. A maioria das crianças do prédio nunca havia visto uma e não estávamos preparados para aquela situação.
Uma espécie de caminhãozinho baú se aproximou do nosso prédio. Enquanto isso, Tilzinho estava deitado e completamente relaxado vendo a gente brincar de alguma coisa que não envolvia correr, senão ele estaria alucinado.
Notamos quando um homem saiu do recém-chegado caminhão com uma espécie de lança com um laço na ponta. Só percebemos qual era a intenção do maldito quando ele já estava próximo do Tilzinho e quase laçando o coitado pelo pescoço.
Naquela hora, iniciamos uma pequena rebelião infantil. Começamos a gritar e a correr, fazendo com o que nosso pequeno heroi canino também corresse. Para o desespero do funcionário da Carrocinha (eu não sabia e até hoje não sei o nome de quem trabalha com isso), aquele cachorro correu como nunca havia corrido.
Esse funcionário continuou atrás do Tilzinho enquanto a “Carrocinha” começou a circular a rua do condomínio. Inconformados com a situação, utilizamos a única arma que estava ao nosso alcance naquele momento: pedras.
Mas como éramos bundões demais pra estragar alguma coisa, eram pedras pequenas que só serviam para não deixar o carro ficar parado perto do prédio, mas foi em vão. A Carrocinha ficou parada e o motorista desceu para ajudar o outro funcionário na sua perseguição ao Tilzinho.
Nesse momento, o “revolucionário” dentro de mim surgiu de forma devastadora e teve a ideia genial de “resgatar” os cachorros que já estavam lá dentro.
Com o ímpeto que só um pré-adolescente que não manja nada do mundo poderia ter, subi na traseira da carrocinha e tentei abrir o local onde os outros cachorros estavam presos.
A traseira da Carrocinha era basicamente assim: uma espécie de “baú”, com um corredor no meio e em cada um dos lados, pequenas portinhas onde os cãezinhos ficavam. Obviamente que todas estavam trancadas com algum tipo de proteção que não poderia ser quebrada apenas com as mãos e força de vontade de uma criança.
Enquanto tentava inutilmente resgatar os cachorrinhos, não notei que o motorista da Carrocinha havia voltado. Só me dei conta disso quando ele arrancou o carro e começou a ir embora.
Pode até ser que ele não estivesse indo embora, mas o meu desespero foi tamanho que só conseguia pensar na dor que sentiria ao ser jogado na máquina que faz sabão.
Comecei a bater desesperadamente na divisória entre a carroceria e a parte onde ficava o motorista, gritando todos os palavrões possíveis que a mente de uma criança poderia ter assimilado até aquele momento de sua vida. Acredite: foram muitos.
Não sei se foi por conta do meu desespero ou se o motorista só queria me dar um susto, mas ele andou um bocado e me deixou um tanto quanto longe de casa. Não muito, mas o suficiente para me fazer voltar andando e perceber que com 12 anos é difícil salvar um cachorro, imagine mudar o mundo.
Depois daquele dia, nunca mais vimos o Tilzinho e não sei dizer se ele foi capturado por essa Carrocinha ou se simplesmente resolveu que ali já não era mais um lugar seguro.
Tilzinho sempre foi um cachorro do mundo. Uma matilha de um cão só. Acredito que ele não tenha virado sabão. Não era o destino do Tilzinho. Se todos os cães merecem o céu, Tilzinho com certeza foi arrebatado em carne e osso.
E eu nunca mais tentei salvar nenhum cachorro.
Fiquei comovido com a história.
É uma pena que você não descobriu onde ficava a chave das trancas pra soltar os cachorros.
Eles iriam ficar livres e você seria retido no juizado de menores! uhahuahuahuahu
PS.: Se um dia você ver uma carrocinha, tente de novo! 😛