Recaída

muffin

Por Arquivo

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Quando anunciaram o reencontro, sentiu-se na obrigação de se preparar física e psicologicamente para aquele momento. Havia alguns anos que não se encontravam e temia não suportar toda a carga emocional desse tipo de situação.

Ele mudara bastante desde a última vez que se viram. Entrou para a academia e perdeu peso. Estava visivelmente mais magro e com a autoestima elevada. Também mudou o corte de cabelo, que agora era mais moderno e fazia um belo conjunto com a barba. Estava diferente, mas ainda poderia ser reconhecido com facilidade.

O último encontro foi a gota d’água. O ponto de mudança. Bastou quarenta minutos para que se sentisse mal e refletisse sobre toda a sua vida até aquele momento. Resolveu encerrar ali mesmo uma relação que já durava anos.

Na segunda-feira da semana seguinte estariam frente a frente novamente. Queria mostrar que seguiu adiante, que a vida melhorou e que apesar de ter sido importante, ele havia superado e hoje em dia era uma pessoa melhor.

A ansiedade fez com que a semana passasse lentamente. Os dias pareciam ter quarenta e oito horas, mas a segunda-feira chegou e com ela a oportunidade de redenção.

Acordou bem disposto. Fizera questão de dormir cedo na noite anterior. O café da manhã foi leve, apenas algumas fatias de ricota e uma maçã, já que não queria correr o risco de passar mal e trazer de volta todas as péssimas memórias do último encontro.

Escolheu uma roupa confortável, pois sabia que esse tipo de situação o fazia suar e sentir-se sufocado após alguns minutos. Uma calça mais larga e uma camiseta básica seriam o suficiente para manter o conforto e a autoestima elevada.

Saiu para o trabalho acompanhado pela ansiedade.

O relógio do celular marcava meio-dia e dezessete quando recebeu uma mensagem no Whatsapp. Apenas cinco palavras e um emoji: “já estou aqui na portaria ;)”.

Levantou-se, colocou a carteira no bolso de trás, olhou mais uma vez a tela do celular, respirou fundo e desceu de elevador.

Ela estava radiante como sempre. Cumprimentaram-se e ela elogiou a sua nova forma física. Gostou do corte de cabelo e disse que a barba deu um toque de maturidade. Era bom não ter mais aquela carinha de criança. Ele agradeceu e seguiram para o almoço.

Ao se aproximar do restaurante ele sentiu a perna direita fraquejar. Uma tremida de leve. As mãos começaram a suar e a garganta secou imediatamente.

Apesar de toda a preparação para esse momento, o nervosismo veio de uma vez.

Ela perguntou onde gostaria de se sentar e ele respondeu gaguejando um pouco. Optaram por uma mesa na varanda do restaurante, com vista para o vale que se estendia por trás dos prédios. Apesar de ser um centro comercial, ainda havia muita área verde ao redor.

Nem isso ajudou no nervosismo.

Ele sabia que o momento da verdade estava chegando. Era hora de fazer o seu prato no self-service.

Há 2 anos, nesse mesmo restaurante e com 35 quilos a mais, ele fizera uma refeição que só não foi fatal por ter um hospital logo em frente.

Não tinha pudores na hora de comer no restaurante self-service. Misturava lasanha com churrasco e strogonoff com feijão. Era um contestador e certa vez mostrou que duas mangas e dois copos de leite não fariam mal a ninguém. You only live once, dizia aquela música.

Gostava de comer bem. Exageradamente bem. O que não queria dizer, necessariamente, que era saudável.

Os amigos do trabalho faziam um bolão diário tentando adivinhar o peso e o valor de seu prato. Ele ria. Especialmente quando as apostas batiam a casa do quilo e dos R$ 35.

Mas o seu próprio corpo resolveu tomar providências contra esse relacionamento abusivo que já durava alguns anos.

Naquele dia comeu tanto que passou mal. Não conseguia respirar e sentia o coração bater mais forte a cada segundo. As pernas formigaram e a garganta ficou estreita com aquele movimento com o qual ela não estava acostumada. Vomitou ali mesmo.

Uma mistura de escondidinho de carne com pedaços de linguiça e purê de abóbora moranga. Se você observasse bem de perto, poderia até achar que tinha sangue, mas na verdade era beterraba. E milho. E há quem jure de pés juntos que tinha até uma azeitona inteira.

Quando todo mundo pensou que havia terminado, uma segunda rodada de Coca-Cola e churrasco mastigado fez o caminho inverso do sistema digestório. Ele soube naquele instante como uma garrafa de Coca-Cola Diet se sentia ao entrar em contato com um Mentos.

Foi um verdadeiro vexame.

Seu corpo gritou para todo mundo ouvir que não aguentava mais tanta comida. Ele tinha que escolher: ou ele tomava um rumo na vida ou não poderia fazer planos para nada além de 10 anos.

Ele escolheu abrir mão da comida. Aquele relacionamento terminou ali mesmo, na frente de todo mundo, com ele caído no chão do restaurante. O retrato ideal da derrota.

E lá estava ele de volta naquele lugar.

Dizem que as pessoas sempre tem uma recaída quando vêem um ex. No caso dele, a recaída foi por causa da feijoada. Há quanto tempo ele não comia uma feijoada? Sentia saudades do cheiro, do sabor e da textura.

A química dos dois ainda era perfeita apesar do tempo e do novo estilo de vida, mas nada mais importava.

Não se conteve. Traiu ali mesmo, na frente da melhor amiga e de todo o restaurante.

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